sábado, 29 de outubro de 2011

Fui traída!

Amor, cumplicidade, fidelidade e respeito são requisitos fundamentais para que um casamento dê certo. Infelizmente, violência, abandono e traição também têm feito parte da realidade de muitos matrimônios. Diversas mulheres já passaram ou ainda passam por dissabores causados pelo adultério. Nesse processo de desmoronamento conjugal, é comum que, de certa forma, família, amigos, igreja e, principalmente, as mulheres não saibam como lidar com a situação.
Quando se casou, Maria Francisca Santos, 47, tinha o sonho de ser amada, respeitada, protegida e feliz. E esse sonho parecia se realizar quando, aos 23 anos, subiu ao altar. O matrimônio foi apressado porque ela estava grávida, mas isso não parecia diminuir a felicidade do casal, já que o noivo, Antonio Costa, 46, declarava amor eterno e a assumiu tão logo soube da gravidez.
Poucos meses após o nascimento do bebê, a realidade do casal começou a mudar. Antonio passou a ficar muito ausente, sair bastante e não dar satisfações. Nos anos seguintes, as traições, agressões e ausências se tornaram cada vez mais freqüentes.
“É difícil ver o casamento desmoronar a cada dia. Eu não sabia o que fazer. Brigava, colocava-o pra fora de casa, mas nada disso resolvia, e eu ficava cada vez mais infeliz e desesperada. Me sentia incapaz e frustrada”, conta Maria.
Foram 21 anos de constantes problemas, até que Antonio saiu de casa sem dar explicações. Desgostosa, Maria relembra: “Ele arrumou as coisas e foi embora. Eu sabia que estava sendo traída mais uma vez. Fiquei confusa. O casamento não era bom, mas eu não queria perder meu marido. Tinha fé de que tudo poderia ser restaurado. Às vezes, achava que estava sendo castigada, que era culpada”.
Em situações como essa, os questionamentos são comuns. Segundo a professora de Psicologia da Uninove (Centro Universitário Nove de Julho) e do Seminário Teológico da Igreja Presbiteriana de São Paulo, Rosileny Schwantes, 43, as mulheres que sofrem algum tipo de violência física ou emocional por parte dos maridos têm sentimentos ambíguos. “É como se em seus corações o desejo de mudança fosse maior do que o desejo pela não-violência”, diz.


EVANGÉLICA SENTE DIFERENTE?
Para Rosileny, não há diferença entre o sentimento de uma mulher evangélica ou não diante de uma atitude pouco moral por parte do companheiro. Mas afirma que “a ética cristã provoca nas mulheres evangélicas muita reflexão sobre atitudes que, supostamente, deveriam ser diferentes na vida delas. Porém, o sofrimento e a tristeza são sentimentos humanos que também habitam o coração de mulheres que temem a Deus e se sentem comprometidas com uma vida transparente, mas que nem sempre conseguem viver como gostariam. Isso acarreta mais sofrimento ainda”.
Jaime Kemp, 66, pastor e autor de best-sellers como Devocional para Casais, Eu Amo Você e Onde Está Deus no Meu Sofrimento, tem outra opinião. Para ele, as mulheres evangélicas encaram de maneira diferente as dificuldades conjugais: “Podemos dizer que elas sabem que podem contar com um Deus soberano. Além disso, têm livre acesso ao Pai em oração e podem nEle se abrigar, além de receberem apoio de suas igrejas. Elas crêem, ou pelo menos espera-se que o façam, em um Deus pessoal que pode transformar maldição em bênção”.
O fato é que as questões emocionais e espirituais ficam confusas nesse período. A mulher se sente fracassada e, muitas vezes, culpada pelo que está sofrendo. A dificuldade aumenta com as cobranças e pressões da família, amigos e até mesmo da igreja.
S.R.G., 33, é casada há dez anos e seu marido não é evangélico. Ela se converteu alguns meses após o casamento e, desde então, vem enfrentando mentiras, violência e traições. “Nesse período, o pior é saber que quando tudo está ruim entre nós, eu tenho que ser forte e continuar a viver como dona de casa, profissional, líder de ministério e mãe”. Na sua percepção, é tremendamente difícil cumprir bem todos esses papéis dentro de casa quando há tantas mágoas e ressentimentos que pressionam suas emoções.

A “AJUDA” QUE PODE ATRAPALHAR
Como os sentimentos dessas mulheres estão muito confusos e vulneráveis, é preciso ter bastante cuidado para não oferecer uma pseudo-ajuda que, no fundo, causa mais mal do que bem. Rosileny vê o papel da igreja com bastante relevância. Ela sugere debates com os membros acerca do tema e maior conscientização sobre a realidade do pecado, estimulando a igreja a ser mais acolhedora e generosa com as pessoas que se sentem violentadas em seus corpos ou em suas almas.
Este apoio S.R.G. encontrou na igreja que freqüenta, onde foi acompanhada em todo o tempo pelos líderes. “O apoio e a orientação que deram foi o que me fortaleceu”, credita. Para Maria, foi um pouco diferente, conforme explica: “A pressão da igreja para eu ser forte, não ficar deprimida, perdoar e orar pela restauração eram tão intensas que me sufocavam. Eles não queriam saber como eu estava, mas somente como eu deveria estar. Foi difícil pra mim”.
Questionado se a igreja é omissa em relação aos sentimentos das mulheres, cobrando uma postura extremamente forte e dando a ela uma atenção menor do que realmente precisa, Kemp diz que não se pode generalizar, mas afirma que grande parte das igrejas é omissa em socorrer, acompanhar e apoiar a mulher que está sendo abandonada pelo marido.

Jaime Kemp, pastor e autor de best-sellers, acha que não se pode generalizar, mas observa que grande parte das igrejas é omissa em socorrer, acompanhar e apoiar a mulher que foi abandonada pelo marido

IGREJA: QUE POSTURA EVITAR E O QUE FAZER
Tanto para Kemp como para Rosileny, negligenciar as mulheres, olhá-las com preconceito, assumir posturas machistas, fazer julgamentos excessivos, cobrar uma postura positiva e lidar com a situação usando frases prontas e superficiais como “não desanime, ele vai voltar” e“continue lendo a Bíblia e orando”, não trazem muito resultado. Dar a elas um refúgio emocional e físico, oferecer aconselhamento, providenciar, quando necessário, apoio médico e psicológico, encaminhá-las para pequenos grupos de mulheres, onde elas possam desabafar, orar, se distrair e conversar são atitudes mais eficazes.

CUIDADO, PERDÃO E SINCERIDADE
Qualquer decisão entre casais traídos deve ser consciente, sincera e séria entre eles e diante de Deus. Rosileny afirma que se alguém diz ter perdoado seu marido e, de fato, não perdoou, o sofrimento continua. Às vezes, as pessoas dizem ter perdoado, mas isso é só aparente. A intenção é de que a comunidade veja. “Aí não é só paliativo, é também destruidor”.
Os casais devem evitar situações de perigo. Para a psicóloga, um casamento evangélico é como qualquer outro casamento. Os dois precisam se amar, se divertir, se curtir, se respeitar e, sobretudo, ser generosos. Os compromissos e desejos do outro devem estar claros para ambos. Para evitar desentendimentos corriqueiros, Rosileny alerta:“Nossos dias são intensos, muitas coisas acontecem todo o tempo. Se não nos organizarmos para que a vida conjugal seja plena, divertida e amável, sofreremos. Mas se investirmos no olhar carinhoso e no toque apaixonado, nas palavras amistosas e no jeito gostoso de cuidar do outro, o resultado é simples: ser feliz”.

VÍNCULOS RESTAURADOS
Há seis meses, Maria aceitou de volta o marido que havia passado dois anos fora de casa. Teve que enfrentar a resistência dos filhos que desconfiavam da mudança do pai, mas agora já o aceitam com mais naturalidade. “Meu pai passou por muitas situações diferentes quando ficou fora de casa. Aprendeu a valorizar a esposa e os filhos”, diz Iara Santos, 21, filha do casal. A mãe concorda, pois percebe que nesse tempo Deus trabalhou muita coisa nela mesma, nele e nos filhos. Ela amadureceu, teve que aprender a ficar sozinha e perceber que sua força não estava em outra pessoa.
Para S.R.G, esta restauração está próxima. O marido está indo aos cultos com ela, se relacionando com pessoas da igreja e disposto a melhorar. “Ele já aceitou a Jesus, se arrependeu dos erros que cometeu contra mim, tem demonstrado amor e arrependimento“, conta quase chorando.
Mesmo passando por situações de dificuldade, essas mulheres decidiram lutar pelo sonho de ter uma família feliz. “Tenho certeza de que vale a pena insistir no casamento, pois durante dez anos vivi dores, decepções e tristezas, entre alguns momentos bons, como viagens e o nascimento de nossos filhos. Mas, porque perseverei, estou experimentando a restauração do meu casamento”, diz a esposa entre lágrimas e convicção da vitória.

ELES VIVEM O PERDÃO E A RECONCILIAÇÃO
Eles foram casados durante 28 anos. Ela desempenhava valioso papel como palestrante, escritora e líder feminina no nível maior de sua denominação. Ele era um importante pastor, também reconhecido por seus livros, suas aulas, suas posições relevantes no meio evangélico. Tudo parecia contribuir para o aperfeiçoamento da obra de Deus e para a felicidade do lar, até que em 1998, a confirmação de uma traição caiu feito uma pedra na vida da esposa.
Martha e Luís (nomes fictícios, pois o casal pediu para não ser identificado) passaram a viver uma experiência amarga para ambos, com trágicas repercussões. Ela se manteve firme, continuou seu trabalho, venceu a amargura. Ele pagou um alto preço pelo desvio escolhido. Mas depois de três anos, os dois se reaproximaram. O esposo pediu uma nova chance e o casal se reconciliou. Estão juntos e reconstruindo o lar até hoje.
O depoimento a seguir é dessa esposa, que jamais fugiu de sua dor e não nega a sua história. Ela apenas deseja ser referência de apoio, dividindo com outras mulheres o que aprendeu e como tem buscado vitórias em seu casamento.

O que acha que poderia ter sido evitado para que o casamento não tivesse um episódio de traição?
A fidelidade do meu marido, provada e comprovada nos 28 anos de vida em comum, me davam total segurança. Por isso, não tinha o que fazer para evitar a traição. Meu maior erro talvez tenha sido querer ajudar um casal que enfrentava problemas no casamento e colocado meu marido para ser esse conselheiro, o que sempre fiz durante nosso ministério. Infelizmente, dessa vez, as coisas não deram certo. Os desdobramentos do aconselhamento resultaram em uma traição.

O que mais sentiu quando precisou conviver com a nova realidade?
O pior sentimento que um ser humano pode enfrentar é a dor da rejeição. Ser trocada por outra dói e muito. Isso acaba com a auto-estima, imobiliza a gente. Nessa hora é muito fácil adoecer, se revoltar ou praticar atos extremos. Outro sentimento é o de vergonha. Afinal, éramos um casal que ministrava em encontros de casais. De repente, o mundo desmoronou. Durante muito tempo fiquei com vergonha das pessoas. Aos poucos, Deus foi me curando.

Como fez para dar a “volta por cima”, mantendo sua personalidade e valor em todos os trabalhos que sempre exerceu?
Minha primeira reação foi pensar que não estava acontecendo nada. Era um sonho e eu iria acordar. Depois, veio o sentimento de revolta pela injustiça sofrida. Em seguida, veio a autocomiseração e autopunição. Mas meus filhos me ajudaram muito, não me deixando cair nessa armadilha. Tive muita dificuldade em orar. No entanto, me sentia carregada no colo, pois sabia que tinha muita gente orando por nós. Essa sensação durou algum tempo até que um dia me dei conta de que não estava mais no colo de Deus, mas caminhando. Louvo a Deus porque esteve o tempo todo comigo. Essa força me ajudou a me manter de pé, a assumir a vida sem o marido, a apoiar meus filhos (e descobrimos que nós três nos apoiávamos mutuamente para enfrentar a dor que nos era comum). Além disso, contei com amigos que me deram apoio direto das mais variadas formas. Em minhas orações, pedi sempre a Deus três coisas: paz, a que“excede todo entendimento”; alegria no coração, sabendo que Deus estava trabalhando a meu favor; e a certeza de que Deus estava no controle de tudo. E Deus me deu os três.

Como foi o retorno da relação de vocês?
Meu marido ficou três anos fora. Nesse tempo, enquanto fazia meu culto diário, nunca li tantas expressões de “esperança”. Não procurava, mas, de repente, lá estava a expressão. Isso alimentou meu coração. Pela nossa história de vida conjugal, entendo que foi uma fraqueza dele, mas a ação do inimigo foi visível. Como eu tinha a certeza de que Deus estava no controle, um belo dia, em 2001, ele marcou um encontro e perguntou se eu o receberia de volta. Levei uma semana para dar a resposta. Primeiro, conversei com os filhos. Por conhecer Luís, achei que ele jamais faria isso. Foi uma surpresa e ao mesmo tempo uma alegria misturada com medo.

Como está sendo o processo de perdoar?
Recebê-lo de volta foi um processo longo. Eu tinha me acostumado a viver sozinha. Quando meu marido voltou, tive que reestruturar tudo novamente. Aos poucos, a gente foi se adaptando. Quanto ao perdão, entendo que é um processo, em que Deus vai curando nossas memórias amargas. Não acredito no “perdoe e esqueça”. Acredito no perdão que, quando se lembra dos fatos, eles não nos causam dor. Deus continua nos curando. É uma batalha diária e sempre na dependência dEle.

Revista Enfoque.

2 comentários:

  1. Este ultimo caso falou muito ao meu coração. Como faço para ouvir conselhos com alguma pessoa que tenha enfrentado uma situação parecida com esta e venceu ?

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